“Ah! Segunda... Vai começar tudo novamente!” – Pensou Ariela ao acordar. Sentia tanto sono, estava tão cansada... Cansada como nunca havia estado antes.
Levantou-se, tomou seu banho, vestiu-se e saiu. Pegou os mesmos ônibus, com as mesmas pessoas dos últimos três anos. Cumpriu sua rotina. Desempenhou seu papel. Retornou a seu esconderijo. Retirou sua máscara. Despiu-se de sua caracterização e, pela primeira vez em seu dia, respirou.
Após um banho morno, sentou-se em sua poltrona favorita e, aninhada como estava, abriu seu livro favorito. Favorito naquele momento, pois como tudo no mundo, Ariela era, também, um ser mutável. Constantes mutações operavam-se nela. Eram muito mais complexas do que apenas culpa dos “hormônios da idade”.
Seu livro do momento, ou melhor, seu autor do momento era Machado de Assis. Sentia uma ambivalência de sentimentos, ora rejeitava, ora aceitava. Sentia-se ferida quando se deparava com certas palavras, contudo, mais impelida a continuar, estava mais dolorosamente fascinada.
Seu fascínio era pelo perfil humano. Talvez encontrasse algumas respostas, ou pistas que fossem... Algo para aplacar seus questionamentos, afinal - “Um autor que com tanta destreza e fina ironia expões os mecanismos mais internos do ser humano, deve me ajudar a ver com mais clareza” – pensava Ariela.
Mais Clareza! ... Era tudo que precisava e o que não conseguia. Sentia-se cada vez mais imersa nas sombras mudas do labirinto de seu próprio EU. Tudo acontecia tão rápido, um turbilhão que ela era incapaz de assimilar. Sentia-se presa dentro de seu labirinto, oscilando entre esconder-se de seu Minotauro e buscar seu Telêmaco. Mas, essa era apenas uma parte de sua inquietação. Da outra parte, Ariela se apercebia aos poucos. A cada dia de vida passada, a cada minuto mais velha, ela percebia com fina intuição que em algum momento de seu passado recente havia sido tragada pelo “vortex” da vida contemporânea.
Tornava-se, imperceptivelmente, co-adjuvante de sua própria comédia pessoal, ou seria de sua própria tragédia pessoal? ... Não saberia responder, talvez fosse apenas mais uma atriz no espetáculo tragicômico da vida.
Não conseguia precisar nenhuma tese. Não encontrava respostas, ou pistas que fossem. Estava cansada... Cansada como nunca havia estado antes. Talvez encenar seu papel, fosse mais exaustivo do que supunha. Talvez conhecer-se não fosse a tarefa mais simples.
Cessou o pensar. Foi deitar-se. Talvez as respostas lhe aparecessem em sonhos, como uma inspiração de sua musa-madrinha, que a muito tempo não a visitava.