terça-feira, 8 de setembro de 2009

O início ...

Ariela rendeu-se aos pedidos de seus amigos e decidiu ir à festa. De acordo com todos os comentários nos corredores de sua instituição, seria a melhor festa do ano. O que Ariela não sabia, ou desconfiava, é que este seria um momento divisor de águas em sua existência. Chegou à festa, uma linda tenda armada em meio ao gramado, muitas luzes piscantes, muita gente rindo, música alta.
Temos depois, Ariela encontrava-se parada ao canto de uma “barraca” de cachorro-quente. Não agüentava mais comer seu cachorro-quente. Não havia comido nem a metade. Pela metade também estava seu copo de refrigerante. “Meio vazio, ou meio cheio?” – Perguntava-se Ariela. Sua perspectiva das coisas parecia em suspensão, assim como seus sentidos, seus movimentos, agora já tão letárgicos.
A música alta, as risadas, as conversas, as luzes... Tudo parecia tão devagar, tão longe, embora ao alcance de suas mãos. Queria sentar-se, mas talvez fosse melhor não, talvez se entregasse de vez ao torpor que lhe adormecia os sentidos e desacelerava a agilidade de pensamentos, sua razão.
Continuou comendo. Não sabe por quanto tempo permaneceu ali, mas tivera a impressão de que durara eras e que as conversas não passaram de frases soltas ao acaso. Engoliu o ultimo pedaço de seu cachorro-quente e verteu a ultima gota de seu refrigerante. “Porque demora tanto para fazer efeito?” – pensou Ariela. Aquela sensação desconhecida que o torpor de seus sentidos lhe trazia era desconfortável. Sentia-se como se sua alma vestisse o corpo errado, como se fosse outra pessoa naquele momento. Talvez fosse outra pessoa.
Talvez fosse uma face sua que nunca antes havia percebido. Talvez fosse aquele EU que por anos permaneceu escondido nas sombras laterais de seu espelho, apenas aguardando o momento de ser visto. Se por a vista e ser visto e, não, sublimado como algo que seus olhos pensaram não ver, ou que decidiram acreditar ser apenas uma sombra sem vida.
Tal pensamento a assustou. Chegou a gelar-lhe um pouco o sangue, que até pouco tempo fervia-lhe nas veias. “Seríamos nós uma combinação de vários EUS?”- Ariela não sabia segurar ao certo, mas começava a desconfiar que, talvez, as imagens que vemos não fossem da maneira que as compreendemos, ou, no mínimo, não apenas desta ou daquela forma; talvez fossem mais profundas, ambivalentes, intensas, sombrias e menos explicitas.
Este ultimo pensamento gelou-lhe de vez o sangue, despertou-lhe os sentidos. Sentiu-o como um balde de água fria caindo-lhe sobre o corpo. Acordou de seu torpor. Com a respiração ofegante, como se tivesse acabado de correr por horas e milhas, sentiu-se só. Sentiu-se como se lhe tivessem retirado a essência, como se estivesse oca. O que não sabia, pelo menos não naquele momento, é que se sentira daquela forma porque acabara de encontrar a ponta do novelo que a conduziria através do labirinto de si mesma. Até aquele momento esteve presa à entrada deste labirinto, desconhecendo poder, ou desejando não poder, se aprofundar.
Agora era tarde. Já havia embarcado neste trem, a vapor é verdade, mas um trem que lhe levaria a lugares de si mesma que não esperaria encontrar, ou ter que encontrar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário